“Achei certo”: Digão defende censura ao Raimundos na década de 90

Músico afirma que as músicas explícitas da banda tinham hora e lugar, não sendo para todos os públicos.

Digão, atual vocalista do Raimundos. — Imagem: JP RODRIGUES / Reprodução / Divulgação.
Digão, atual vocalista do Raimundos. — Imagem: JP RODRIGUES / Reprodução / Divulgação.

As letras explícitas sempre foram uma marca registrada do Raimundos. Desde o primeiro álbum, lançado em 1994, o grupo fez questão de não poupar palavrões e referências sexuais. Resultado? Boa parte das músicas acabou sendo “cortada” das rádios tradicionais. 🤐

Mas o Digão, atual vocalista e guitarrista da banda, nunca viu essa “censura” como algo injusto. Muito pelo contrário. Durante uma entrevista ao podcast Starling Cast, ele afirmou que concorda com as restrições impostas na época.

“Não é questão de ser conservador. Tenho esposa, filhos. A brincadeira do Raimundos tem hora e lugar. Não é pra minha filha de três anos, e sim pra molecada mais avançada, lá pros seus 15 ou 16 anos. Nunca me senti injustiçado pelas músicas do Raimundos terem sido censuradas. Sempre achei certo.”

Letras pesadas, sucesso restrito

O sucesso nacional veio com “Selim”, um dos hits do primeiro disco. Mesmo assim a banda jamais conseguiu emplacar outras músicas explícitas nas rádios de grande circulação. Só quem fugia desse padrão era a MTV, que virou praticamente uma casa para as canções do Raimundos.

Segundo Digão, “Mulher de Fases” (1999), bem mais “polida” que os outros sucessos, foi outra música que conseguiu tocar com força nas rádios. E mesmo essa, convenhamos, já era um ponto fora da curva.

“A gente nunca tocou no rádio com as putrias. ‘Selim’ foi atípica, a gente usou nomes científicos. Nem falamos as palavras explícitas. Mas depois disso, nenhuma tocou no rádio a nível nacional. Só ‘Mulher de Fases’. ‘I Saw You Saying’ tocava na MTV, que era a nossa rádio, não a Jovem Pan ou a Transamérica.”

Polêmicas e o legado

A censura ao Raimundos gerou uma questão importante na época: até onde o Brasil estava disposto a ir com sua recém-restaurada democracia?

Enquanto o ex-vocalista Rodolfo Abrantes se arrependeu das composições mais pesadas, os outros membros sempre defenderam o conteúdo produzido.

Para eles, as letras não eram apenas uma forma de diversão, mas também uma maneira de testar os limites da liberdade de expressão no país.

Com o passar do tempo, alguns integrantes mudaram de opinião sobre certas canções. O falecido baixista Canisso, por exemplo, chegou a reconhecer que uma das músicas da banda, “Me Lambe”, trazia problemas sérios. A letra, que faz alusão a uma garota mais jovem, gerou mais controvérsias à medida que os anos passaram e as discussões sobre o tema se intensificaram.

“Algumas músicas são besteiras inofensivas, todo mundo sabe e ‘perdoa’. O caso de ‘Me Lambe’ é diferente. Apesar de ser zoeira, ela toca num ponto bastante complicado. Pessoas se ofendem, não traz nada de bom… o mundo mudou, eu mudei também. F*da-se essa música.”

Ele também deixou claro que o Raimundos nunca teve a intenção de ofender ninguém com suas letras, algo que sempre foi parte do DNA da banda. Segundo Canisso, o grupo falou muita “mrd pra chocar e divertir”, mas jamais quis atingir alguém diretamente.

Impacto e contexto

Mesmo com a resistência das rádios tradicionais, o Raimundos teve um impacto gigantesco no rock brasileiro dos anos 90. Eles trouxeram uma sonoridade que misturava o punk rock com o forró, gerando uma combinação explosiva. Esse som, aliado às letras irreverentes, os transformou em ícones da contracultura. 🎸🔥

Mas o sucesso veio com um preço. Por mais que o público fosse fiel e a banda lotasse shows, Digão reconhece que o caminho foi mais complicado por conta da “censura velada” que sempre acompanhou o Raimundos.

“Talvez maneirar na putria. Fui meio contra desde o início. Sabia que nosso caminho seria mais difícil por causa da censura velada que sempre sofremos.”

Ainda assim, a autenticidade e a irreverência sempre foram o que definiu o Raimundos. Eles nunca tentaram se moldar às regras ou agradar a quem não entendia o espírito da banda.

Digão, inclusive, vê essa característica como um ponto positivo. Para ele, a música do Raimundos é feita para quem tem um certo nível de maturidade e entende que, muitas vezes, é tudo uma grande brincadeira.

Evolução e autocrítica

Com o passar dos anos, alguns debates surgiram sobre as letras mais pesadas e problemáticas da banda.

Não dá para negar que algumas canções, que antes eram vistas como meras “zoeiras”, passaram a ser questionadas sob uma ótica mais crítica. 🎤🤔

Canisso foi um dos primeiros a admitir que, em retrospectiva, algumas letras poderiam ter sido diferentes. Ele se mostrou especialmente crítico em relação à faixa “Me Lambe”, que gerou discussões mais acaloradas com o tempo.

“O mundo mudou, eu mudei também. Algumas letras do Raimundos eram zoeiras, mas outras, como ‘Me Lambe’, tocavam num ponto complicado.”

O caminho sem arrependimentos

Olhando para trás, é curioso ver como o Raimundos conseguiu superar tantas adversidades e ainda assim marcar seu nome na história do rock nacional.

As letras explícitas, que poderiam ter sido uma barreira intransponível, acabaram virando parte essencial da identidade do grupo.

Mesmo com as críticas e os ajustes de rota ao longo dos anos, Digão e os outros integrantes nunca se arrependeram de ter feito as músicas que fizeram.

Os integrantes acham que o Raimundos sempre foi uma banda de vanguarda, pronta para desafiar os limites e criar polêmicas – mesmo que, às vezes, isso significasse ser “censurado”.

“Acho que tudo tem sua hora. O Raimundos não é para criança. É uma banda para uma galera mais velha, que entende a brincadeira.”

A história segue

O Raimundos sempre caminhou na linha tênue entre o choque e a diversão. Suas letras polêmicas foram parte de um movimento maior, que testou os limites da liberdade de expressão e da cultura pop no Brasil.

Hoje ao olhar para trás, os integrantes podem até admitir que certas músicas envelheceram um pouco mal, mas isso não apaga o legado deixado pela banda.